Caroço #99
⚠ Nesta edição > os acordos da COP15 não têm fundo$; Economist amarra clima e biodiversidade; a herança venenosa do desgoverno; uma década de tráfico de mercúrio; e MMA investiu migalhas desde 2020.
Olá, humanos. Bem vindos ao penúltimo Caroço do ano. Preparem seu coração, pois devemos ter boiadas atropelando leis e patrimônio natural de todos os brasileiros até os últimos minutos de 2022. Entre as mais alarmantes desses dias, tivemos o Ministério do Meio Ambiente afrouxando perigosa e irresponsavelmente as regras que protegiam espécies em via de extinção e, acreditem, o Senado aprovou um projeto permitindo que as empresas do setor agropecuário criem seus próprios programas de fiscalização. Nunca tantas raposas cuidaram do mesmo galinheiro. A proposta só depende agora de sanção presidencial. Recado dado, vamos lá!
Promessas sem fundos
Pois, na COP15 da Convenção da Biodiversidade das Nações Unidas, encerrada em Montreal (Canadá) há alguns dias, quase 200 governos de todo o mundo se comprometeram a proteger e restaurar 30% ou mais das terras, oceanos, áreas costeiras e rios do planeta até 2030. Além de metas anteriores não terem sido plenamente cumpridas, como a de até 2020 conservar ao menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras, pedra maior no sapato são como sempre os recursos para fazer dos planos realidade. Em Montreal, os países acordaram dobrar até 2030 para US$ 200 bilhões anuais os recursos para conservação - de governos, empresas privadas e filantropia. Entretanto, apenas US$ 30 bilhões do total seriam repassados a países em desenvolvimento. Os reclames foram potentes, sobretudo de países africanos e sul-americanos, detentores de rica biodiversidade. Ainda pior, esses compromissos financeiros não são obrigatórios, são voluntários. Um estudo do Paulson Institute estimou que, para reverter o declínio da biodiversidade mundial até 2030, seriam necessários US$ 700 bilhões por ano. Ou seja, se a conta está correta, muito mais financiamento precisa fluir até o fim da década. Outros acordos saídos da COP15 foram reconhecer o papel de indígenas e povos similares na proteção da diversidade biológica, um indicativo para reformar subsídios danosos ao meio ambiente, que empresas divulguem “seus riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade” e o desenvolvimento de um sistema para evitar a pirataria de informação genética digitalizada.
Patinho feio
Uma reportagem da comunista The Economist fez um grande favor ao movimento conservacionista mundial reforçando as estreitas ligações entre a preservação da biodiversidade e a outra urgência de zerar as emissões líquidas de carbono - um dos gases que aumentam o efeito estufa e, assim, a temperatura média do planetinha. No mundo todo, crescem investimentos em energias limpas. Os gastos em 2022 devem chegar a US$ 1,4 trilhão, cerca de um quinto acima do nível pré-pandêmico. Além disso, dezenas de países e milhares de grandes empresas prometem zerar as emissões líquidas de gases-estufa nos próximos 20 a 30 anos. Todavia, a biodiversidade ainda é escanteada nesses planos. Por exemplo, a principal peça da legislação climática de Joe Biden, a Lei de Redução da Inflação, contém US$ 400 bilhões em subsídios para energia limpa e outras iniciativas, mas quase nada para proteger a biodiversidade, uma maneira eficiente de controlar as emissões de carbono. Um caso: mais de ¼ poluente emitido pela indústria e pela agricultura é absorvido por ecossistemas naturais. Além disso, empresas podem compensar as emissões de investimentos na transição energética apostando em áreas protegidas. Estimativas apontam que esquemas para manejar turfeiras e pântanos ricos em carbono e para reflorestamento poderiam cortar mais de 1/3 das emissões para evitar mais de 2°C de aquecimento global. Enquanto isso, a área mundial de corais caiu pela metade desde a década de 1950, cerca de 10 milhões de hectares de floresta são perdidos no mundo anualmente e a Amazônia já é uma fonte de dióxido de carbono, emitindo 13% a mais do que capta.
Herança venenosa
No apagar das luzes de 2022, o desgoverno de extrema-direita e seus fiéis escudeiros no Congresso aprovaram ainda o Pacote do Veneno. O projeto de lei será avaliado pelo Senado no ano que chega. Cientistas e entidades civis avisam que, se a ameaça virar lei, jogará nas alturas a quantidade de venenos usados e consumidos pelos brasileiros em inúmeros alimentos, além de aumentar os estragos em animais e plantas nativos, fontes de água e solos. A proposta quer igualmente liberar substâncias extremamente perigosas - banidas em países mais preocupados com sua população, ambientes e espécies nativas -, além de ignorar os impactos de quando mais de um agrotóxico é usado simultaneamente. Para quem acha que tais perigos são contos da carochinha, 17 agrotóxicos vetados na União Europeia foram identificados em lavouras de algodão no Mato Grosso. A pesquisa é da Operação Amazônia Nativa (Opan) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Solos e águas de terras indígenas também estão contaminados pelos venenos do agronegócio, e não só no Centro-oeste. No estado amazônico do Pará, o Ministério Público Federal vem acionando fazendeiros e empresas que pulverizam agrotóxicos pela contaminação de indígenas e de pequenos agricultores. Conforme a Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO), o Brasil é terceiro maior consumidor de pesticidas do planeta, logo após a China e os EUA.
Patrono dos ladrões
O turbilhão típico dos fins de ano quase sepultou notícias sobre a retumbante operação Hermes, puxada por PF e Ibama. O deus grego protegia comerciantes e ladrões. A maior ação do ano contra crimes ambientais flagrou um esquemão de fraudes no sistema do órgão ambiental para “legalizar” mercúrio contrabandeado e depois distribuído a garimpeiros ilegais na Amazônia - há uma década. Até agora, 14 pessoas foram presas, bens foram bloqueados e endereços (imóveis comerciais e residenciais, depósitos e áreas de mineração) foram revistados em Mato Grosso, São Paulo, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rondônia. Nos garimpos, o mercúrio adere ao ouro e ajuda a separar o metal da terra e outros materiais escavados. Depois da seleção, o mercúrio é aquecido com fogo até evaporar. O que não recai diretamente no solo e vegetação, vai para a atmosfera e, com as chuvas, chega aos rios. Altamente tóxica, a substância ataca a saúde de animais e pessoas, nas cidades e no campo. O Brasil não tem depósitos naturais do mercúrio: importa tudo o que consome. Apesar de o Ibama ter um processo formal para registrar as compras, há inúmeras rotas clandestinas, sobretudo pela fronteira com a Bolívia. A rede criminosa também lavava lucros do comércio ilegal do mercúrio traficado, usando empresas de fachada, testas de ferro e laranjas. Signatário da Convenção de Minamata, o Brasil deveria ter banido todos os usos não essenciais do mercúrio até 2020.
Gestão descalabro
A Controladoria Geral da União (CGU), órgão ligado à Presidência da República que monitora contas e corrupção, descobriu que apenas 7,11% dos recursos orçamentários disponíveis no caixa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foram efetivamente usados entre 2020 e 2022. Um exemplo: presença certa nos discursos da patuleia que assaltou a área ambiental, o programa “Lixão Zero” não reduziu os depósitos clandestinos no país. De acordo com a CGU, o número de lixões e aterros controlados (lixões disfarçados) explodiu em 2020 e, pior, não há registros deles nos dois anos seguintes. Conforme o jornalista André Trigueiro, também “são risíveis os resultados do programa de retirada de lixo das águas”. Os números do MMA apontam a remoção de quase 110 toneladas de resíduos desses ambientes entre 2020 e outubro deste ano. Ao mesmo tempo, apenas na Baía de Guanabara estima-se que seja lançada todo dia quase a mesma quantidade de lixo. Outro fiasco foram os menos de 1.900 hectares de vegetação nativa preservada no Brasil, ou só 1,85% da meta para 2022. Ainda para Trigueiro, o relatório “mais parece uma denúncia de má gestão ou sabotagem da administração pública”. Não esqueçamos, igualmente, de que, entre tantos outros descalabros do atual governo, enquanto a pasta ambiental segurou recursos, centenas de milhões de Reais foram despejados no combate ao desmatamento na Amazônia por militares - sem nenhum resultado positivo.