Caroço #98
⚠ Nesta edição > o ouro sujo de áreas protegidas; o Cerrado encolhe no desgoverno; tráfico é crime organizado no Peru; Justiça defende a Flona de Brasília; e restinga paranaense na corda bamba.
Olá, humanos. Bem vindos a mais um Caroço. Acaba este fim de semana um dos eventos mais importantes do ano. Não estou falando da Copa de Futebol (dale Argentina!), mas sim da COP15 da Biodiversidade, em Montreal (Canadá). Fiquemos mais do que atentos, pois a reunião deveria desenhar um plano para frear as perdas globais de animais, plantas e incontáveis outras espécies. Para não variar, os sinais de fracasso nas negociações são fortes, incluindo um escanteio no papel conservacionista de indígenas e outras populações, apesar do inegável fato de que a civilização moderna irá para o beleléu sem as demais formas de vida que conosco compartilham o planeta. Recado dado, vamos lá!
OURO SUJO
Um balanço recente mostra que 56% do ouro comercializado ao redor de parques nacionais e outras Unidades de Conservação na Amazônia cheira a ilegalidades. A taxa sobe para 95% quando a análise mira o entorno de Terras Indígenas. A mineração é proibida no interior e vizinhança imediata de ambas as áreas protegidas, estratégicas para manter recursos naturais e garantir a sobrevivência dos povos da floresta. O petardo vem de novo relatório do Instituto Escolhas sobre a cadeia produtiva de ouro no Brasil, concentrada e destruindo a floresta equatorial. As áreas mais afetadas pelos crimes estão no Mato Grosso e no Pará, mas não só. Caso concreto, 2,5 toneladas de ouro foram vendidas entre 2018 e 2020 por títulos minerários que entram nas Terras Indígenas Sararé (MT) e Kayabi (MT/PA), nos parques nacionais Montanhas do Tumucumaque (AP), Mapinguari (AM/RO) e da Amazônia (PA/AM), além de na Estação Ecológica Serra dos Três Irmãos (RO). Ao mesmo tempo, a Terra Indígena Yanomami (RR/AM) é uma das mais detonadas por garimpos ilegais no Brasil. Todavia, os números oficiais não registram nenhuma venda de ouro em Roraima, onde se concentra a garimpagem na área protegida. Conforme o estudo, é uma forte evidência de que o ouro, roubado da Terra Indígena, é contrabandeado para entrar no mercado formal por outras localidades.
CERRADO SERRADO
Outro saldão ao fim do desgoverno é a aceleração do extermínio da savana brasileira. Nos últimos 12 meses, a devastação no Cerrado somou 10.689 km². Trata-se de um recorde no últimos 7 anos e um salto de 25% em relação ao período anterior, quando a taxa foi de 8.531 km². Os dados recentes também apontam que o Matopiba acumula 71 % do desmatado no período recente. O Maranhão, até abril deste ano governado pelo futuro ministro da Justiça Flávio Dino, lidera o ranking da devastação com 2.833 km², ou 27% do total desmatado no bioma. Em seguida vêm a Bahia, o Tocantins e o Piauí. A destruição generalizada do bioma prejudica o próprio agronegócio, pois alonga estiagens e aumenta o calor, some com fontes de água, reduz a produtividade, aumenta custos e acelera a crise climática. Não bastando, além de converter descontroladamente áreas secas do Cerrado em terras agricultáveis, sobretudo grandes produtores drenam áreas úmidas para estender lavouras até o fundo das veredas. Diante do cenário de penúria para a savana (e todos os demais biomas), sociedade civil e pesquisadores esperam que o novo governo não seja novamente intimidado pelo agronegócio ou amarrado por acordos comerciais e arregace as mangas para proteger “um bioma extremamente rico, tanto pelos povos que o habitam há tempos imemoriais como em termos de biodiversidade, de água, de carbono, de paisagens, de geodiversidade e de outras preciosidades da natureza”, como bem descreveu o engenheiro florestal Cesar Victor do Espírito Santo, da Funatura.
PIONEIRO PERU
Atualmente abalado por pesada crise política, o Peru é um dos primeiros países latino-americanos a associar o comércio ilegal de vida selvagem ao crime organizado. A medida foi aprovada em novembro por seu Congresso Nacional. A legislação permite aprofundar as investigações sobre gangues conectadas ao tráfico nacional e internacional de animais terrestres e aquáticos, como tubarões e cavalos-marinhos. Condenados sofrerão penas de 11 a 20 anos de prisão, em vez do limite anterior, de apenas 7 anos. No Brasil, a pena para esse tipo de crime é a detenção de seis meses a um ano e multa. Porém, no Peru já tramitam projetos legislativos modificando e revogando a lei anti-tráfico. Os textos têm apoio do Ministério de Produção e de representantes da pesca artesanal. Esses receiam ser criminalizados pela ‘captura acidental’ de espécies alvo do comércio ilegal. Nas últimas duas décadas, 102 mil animais selvagens foram resgatados com vida no Peru das mãos de traficantes, segundo o Serviço Nacional de Florestas e Fauna Silvestre. A conta inclui 44 mil anfíbios e 46 mil pássaros. Suspeita-se que os animais teriam como destino coleções particulares, zoológicos, lojas de animais de estimação, indústrias de couro, peles e têxteis.
FLONA FICA
A Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliou esta semana que a Lei 14.447/2022, que reduziu em 40% os limites da Floresta Nacional (Flona) de Brasília (DF), é um “retrocesso socioambiental". No parecer, Augusto Aras avalia que a legislação viola princípios constitucionais, como o direito da população a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O procurador-geral esclareceu que não são vetadas adequações de normas ambientais às necessidades do desenvolvimento urbano. Todavia, "a diminuição de patamares de proteção ambiental não dispensa a adoção das devidas cautelas e de medidas compensatórias", resumiu Aras em notícia da PGR. A peça foi juntada a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem prazo definido. Ação foi movida pelo Partido Verde (PV) contra as mudanças no traçado da Unidade de Conservação (UC) Federal, de 9,3 mil hectares. Em xeque estão ocupações humanas irregulares na reserva ambiental. A decisão da PGR também pode esfriar os ímpetos de políticos como a deputada federal Flávia Arruda (PL/DF), autora do PL que deu origem à Lei 14.447, e o senador Izalci Lucas (PSDB/DF), que deu relatório favorável ao texto. Como mostramos no Caroço #80, ambos defendem grileiros e atuam contra a conservação no Distrito Federal. Lucas, inclusive, pretende converter a Reserva Biológica da Contagem num Parque Nacional, uma categoria menos restritiva de UC.
IGNORADA RESTINGA
ONGs estão em pé de guerra com a Prefeitura de Matinhos (PR) pela destruição de um belo naco de restinga da praia de Caiobá. Uma nota da administração municipal afirma que se trata apenas da substituição de “restingas exóticas” por nativas do litoral paranaense. Ao todo, mais de 75 mil metros quadrados devem ser ‘recuperados’ no litoral do estado. Todavia, especialistas de entidades civis como a SPVS - Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental avisam que as plantas removidas não são exóticas e que a obra está associada, isso sim, à engorda (aterro com areia) da praia. O caso foi denunciado ao Ministério Público Estadual. Enquanto isso, as opiniões da população se dividem. Enquanto certos moradores criticam a remoção da restinga e lembram de seus serviços ecológicos, outros comemoram (ver comentários neste vídeo) a eliminação do “matagal” loteado de lixo que atrapalha banhistas e compromete a beleza da praia. Em reportagem especial do início de novembro, mostrei que a destruição de restingas, mangues e outras formações naturais aumenta a exposição de municípios defronte ao Atlântico aos impactos da crise do clima, como subida do nível do mar, tempestades mais fortes e frequentes.