Caroço #97
⚠ Nesta edição > biodiversidade segue sem $$$; sem floresta desprotegidos; soja é motor nacional de desmate; uma megaoperação global contra o tráfico; a mutação do clima afetará chuvas e nevascas.
Olá, humanos. Bem vindos a mais um Caroço. Marina Silva deve mesmo emplacar uma nova temporada no Ministério do Meio Ambiente. Outros nomes na equipe de transição e base aliada ocuparão vagas de destaque na agenda ambiental do governo que chega. Tudo fundamental para atrair $$$, mas será jogo duro juntar os cacos das políticas conservacionistas deixados pelo desgoverno. Enquanto isso, cresce a xepa destrutiva no Congresso. Sob a batuta do retrógrado Arthur Lira (PP-AL), a proposta do Novo Código de Mineração azeita a captação de recursos no mercado, enfraquece a fiscalização, dispensa o licenciamento em certos casos e aumenta a exploração mineral no país. Recado dado, vamos lá!
💲 BOLSOS VAZIOS
Uma das marcas desta primeira semana de COP15 da Biodiversidade (Canadá) foram grandes cifras levadas à público. O secretário-geral da ONU, António Guterres, destacou a estimativa de que US$ 3 trilhões são perdidos com a deterioração de ambientes naturais, além de empregos e vidas humanas e do aumento da fome e doenças. O português também afirmou que o mundo trata o planeta “como uma latrina” e que a sociedade moderna está “cometendo suicídio por procuração”. Conforme o WWF-Brasil, mais da metade do PIB global depende da natureza, que presta serviços à economia da ordem de US$ 125 trilhões, como entregar água potável para pessoas, agronegócio e indústrias, alimentos, ar puro, absorver calor, manter solos férteis e absorver gases de efeito estufa. Apesar de tudo isso, a grande maioria dos países ricos não quer abrir o bolso para bancar ações conservacionistas. Claro, há ações pontuais importantes, como os recursos de Noruega e Alemanha ao Fundo Amazônia. Mas, como pontuou o Valor Econômico, biodiversidade não tem um fundo específico, como no caso do clima. A expectativa de países em desenvolvimento é a de que nações ricas aportem US$ 700 bilhões até 2030 em proteção da biodiversidade. Mas, ações semelhantes na agenda climática patinam. O Marco Global para a Biodiversidade, resultado esperado da COP15, deve ter 22 metas para 2030 e outras quatro para 2050. Elas incluem reduzir o uso de agrotóxicos, eliminar subsídios econômicos que danificam a natureza, dividir lucros privados da comercialização de produtos criados a partir da biodiversidade.
🤦♂️ SEM FLORESTA IGNORADOS
Sociedade civil, cientistas e governos antenados com a pindaíba global viram avanços na decisão da União Europeia para bloquear importações sujas com desmatamento e outros danos socioambientais registrados após 31 de dezembro de 2020. A lista tem carne bovina, soja, café, cacau, óleo de palma e madeira, além de derivados dessas commodities, como couro, óleos, chocolate, móveis, papel, borracha e carvão. A sociedade civil lembra que, no caso de produtores e exportadores como o Brasil, as demandas do bloco incluem o “desmatamento zero” de florestas, tanto legal quanto criminoso. Afinal, dos pontos de vista climático e da biodiversidade, destruição é destruição. Mas, o Cerrado, o Pantanal, o Pampa e a Caatinga ficaram de fora do arranjo, por até 2 anos. Até lá, as regras podem ser revisadas pelo bloco econômico. Focado em florestas, o acordo ignora 74% da vegetação da savana brasileira, por exemplo. Como aponta a Rede Cerrado de ONGs, assim os países europeus deixam de cumprir a meta inicial de cortar a conversão de vegetação nativa dos produtos que consomem. A grande maioria da degradação ambiental nas commodities importadas pelos europeus é associada à soja produzida no Cerrado.
🌱 DESMATE SOJEIRO
Pois, um relatório quentinho da Trase, iniciativa que mapeia impactos de cadeias produtivas, mostra que, logo após a expansão de pastagens para a boiada e especulação de terras, a soja é a segunda maior causa de desmatamento e de outras “mudanças no uso da terra” no Brasil. A destruição de vegetação nativa no país aumentou de 1,6 milhão de hectares (2018) para 1,83 milhão de hectares (2020). Todavia, no mesmo período a área plantada cresceu e o desmatamento caiu para o cultivo de soja. Isso mostraria que as lavouras da oleaginosa ganham área especialmente sobre antigos pastos de gado. De 37,2 milhões de hectares com soja em 2020, 2,3 milhões de hectares (6,2%) foram pastos em 2015. Mas tudo pode mudar porque o preço da commodity aumenta desde 2019, graças à maior demanda por ração animal pela China e ao aumento global dos preços dos alimentos com a guerra Rússia-Ucrânia. O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo. Das 135 milhões de toneladas de soja produzidas no país no ano passado, 105,5 milhões de toneladas (78%) foram exportadas, em grãos, farelo e óleo.
🦜 PORRADA NO TRÁFICO
Mais de 2,2 mil animais vivos ou suas partes, grande quantidade de madeira foram apreendidos em malas, pacotes, veículos e barcos numa megaoperação da Interpol, Organização Mundial de Alfândegas e agências de fiscalização, em Outubro. Raios-x e cães farejadores ajudaram a identificar os ilícitos. Os confiscos incluem 119 felinos, 34 primatas, 25 chifres de rinoceronte, 9 pangolins, 750 aves, quase 800 Kg de marfim de elefante, 1.795 répteis e toneladas de corais, enguias e pepinos-do-mar. Além disso, foram apreendidos 47 m3 de jacarandá e 47 mil m3 de outras madeiras e 1,7 tonelada de orquídeas. Namíbia, Angola, Malawi, Tailândia, Índia, França, Alemanha, Reino Unido, Costa Rica, Peru e Estados Unidos estão entre os países mais visados na operação. Ao mesmo tempo, 934 pessoas e 141 empresas são suspeitos de envolvimento direto nos crimes. “As operações são importantes para a segurança global porque esse tráfico não é apenas uma questão de conservação. Oficiais perdem suas vidas todos os anos, meios de subsistência são destruídos, doenças são disseminadas, governos enfraquecidos e economias inteiras destruídas”, disse em notícia da Interpol seu secretário-geral, Jürgen Stock.
🌨 CHUVA SECA
Dentre o calhamaço de previsões decorrentes do aumento da temperatura média planetária, as quantidades e frequências de chuvas e nevascas também podem mudar fortemente. Um artigo no portal Carbon Brief avalia que mais calor ampliará a evaporação das massas de água. Isso fará algumas regiões secarem, enquanto a retenção de umidade pelo ar aumentará em outros pontos, como sobre os oceanos. Todavia, uma coisa não compensará a outra. Enquanto certas zonas terão mais chuvas, outras terão ainda menos. O mapa abaixo estima onde haverá mais (roxo) e menos precipitação (chuva e neve) até o fim do século. Ou seja, na média a crise global do clima deve resultar em áreas já secas tornando-se ainda mais secas, e em regiões hoje úmidas tornando-se ainda mais úmidas, sobretudo em latitudes médias e altas. Os modelos estimam forte aumento na precipitação perto do equador, no Ártico e na Antártida. Ao mesmo tempo, ficarão mais áridos a região do Mediterrâneo, o sul da África, a Austrália ocidental, o Chile, a América Central e parte do norte da América do Sul. Claro, os modelos climáticos não são definitivos, mas são ferramentas estratégicas para políticas de conservação e de desenvolvimento, do presente ao futuro. Ignorá-los nos levará ao pior dos mundos.