Caroço #88
⚠ Nesta edição > clima é questão militar para Biden; floresta perdeu 460 milhões de árvores este ano; ianomâmis seguem dizimados; lupa na economia do caranguejo-uçá; desprezo lota Cetas no Sul do país
Olá, humanos. Bem vindos a mais um Caroço. Uma das quentes da semana foi o matching entre zonas mais devastadas e eleitores concentrados do ‘desgoverno’. Temos que mudar a economia onde a destruição ganha corações, mentes e votos. No Congresso cresceram tanto as bancadas dos sem-terra e indígenas como da bala e da bíblia. Ao menos 34 parlamentares da campanha Vote pelo Clima foram eleitos nos estados - 20 vão pra Brasília. Centros reacionários legaram foro privilegiado para Ricardo Salles e outros investigados. Pró-garimpo como Joaquim Passarinho e Silvia Wajãpi chegam à Câmara. Extremistas projetam o impeachment de ministros do STF, punição a institutos de pesquisas e uma Constituição moldada ao fascismo. A balança do pastoso Centrão penderá pra um lado ou pra outro após o 2º turno, sempre mirando emendas, cargos e a estatização de prejuízos. Jogo duro e perigoso. “A questão […] é como milhões de brasileiros mantêm […] padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo?”, pergunta o doutor em Sociologia Política Ivann Lago. Recado dado, vamos lá!
CLIMA DE GUERRA
🪂 Enquanto o Brasil acelera ferozmente a devastação da Amazônia e demais biomas e explode a emissão de gases-estufa, o governo Joe Biden avisa que a crise do clima pode forçar ‘intervenções militares’. Por lá, a coisa virou questão de segurança nacional, dificulta e encarece operações de guerra e desestabiliza o planeta. O toque nada sutil é de John Kirby, coordenador de Comunicação Estratégica do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Lembremos que, em agosto de 2019, o professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard, Stephen Walt, sugeriu que era uma “questão de tempo” até a comunidade internacional adentrar o Brasil para ‘salvar a floresta equatorial’. No Amazônia Real, os pesquisadores Marcelo Dutra da Silva e Philip Martin Fearnside ressaltam que “países e organizações internacionais ao redor do mundo não podem simplesmente assistir à [nossa] tragédia como meros espectadores”. Uma pesquisa de João Roberto Martins Filho (USP) mostra que militares brazucas se acham os “protetores da Amazônia”, reconheceram (nos anos 1980) que o desmate reduziria chuvas e mudaria o clima, e até temem uma intervenção estrangeira no país. Na real, seguem endossando a destruição bancada pela extrema-direita e julgam os indígenas como obstáculos ao progresso, “selvagens” que precisam civilizar. Cerca de 6 mil ex e atuais militares ocupam o governo desde 2019. Alguns expoentes são o general e vice-presidente Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul, e o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, eleito deputado federal pelo Rio.
DOMINÓ FLORESTAL
🚜 Na Amazônia já foram derrubadas mais de 460 milhões de árvores este ano, ou quase 1,8 milhão por dia. A estimativa é feita multiplicando os alertas diários para desmates do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais pela quantidade de árvores cientificamente estimada por hectare de floresta, na revista Science (2013). O balanço também mapeou 16 mil espécies de plantas na Amazônia. Dessas, 227 respondem por metade de todas as árvores da floresta equatorial. A derrubada bíblica de árvores levou o desmatamento a um recorde regional nos últimos 15 anos. Em 2022, já bateu nos 8 mil km2. O Mato Grosso lidera disparado a extração ilegal de madeira. Até o fim do ano, sobretudo se o aspirante a ditador perder o 2º turno, o desmate explodirá, no país todo. Não vale esquecer que isso empurra a Amazônia ao ‘ponto de não retorno’ - quando ela não será mais capaz de se recuperar das agressões que sofre, poderá secar e emitir ainda mais gases de efeito estufa. Tudo isso agravará o aquecimento planetário, a debacle da biodiversidade e reduzirá as chuvas sobre o Brasil e América do Sul. Afinal, as milhões de árvores já derrubadas este ano reduzem em 250 bilhões de litros a evapotranspiração, encolhendo em muito as precipitações.
ALÇA DE MIRA
🎯 Na madrugada do domingo (2) de eleições, garimpeiros mataram a tiros e feriram mais indígenas nas proximidades da comunidade Napelrobi, no município de Alto Alegre, em Roraima. Os Ianomâmi esperam alguma proteção da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Fundação Nacional do Índio. O povo está à mercê de criminosos e teme novos derramamentos de sangue. A denúncia se soma a centenas de outras sobre violências sofridas pela etnia. A escalada nas agressões ganhou força desde 2019, mas é ligada à histórica cobiça por ouro nos leitos e margens de rios amazônicos. As invasões à Terra Indígena Ianomâmi já eram graves desde a sua homologação, em 1992. O acesso dos bandidos e de doenças que mataram inúmeras pessoas foi facilitado pela abertura da estrada Perimetral Norte pelos militares, hoje desativada. Na época, várias pistas de pouso clandestinas foram dinamitadas. Foram reconstruídas graças à inoperância do poder público. A região Ianomâmi tem ao menos 6 povos isolados, que preferem não manter contato com a ‘civilização moderna’. Como ressalta Zé Pedro de Oliveira Costa no ótimo ‘Uma História das Florestas Brasileiras’ (Autêntica, 2022), a “história dos indígenas no Brasil é uma sequência ininterrupta de massacres: centenas de povos e culturas já foram extintos, e os que resistem seguem vítimas de constantes políticas de extermínio”.
LÓGICA DO CARANGUEJO
🦀 Depois de passar 13 meses em meio aos mangues e catadores de caranguejos-uçá no Delta do rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão, o antropólogo Lucas Coelho Pereira, professor na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, tirou do forno uma tese de doutorado mostrando como é importante conhecer a espécie para que sua captura se converta em mercadorias lucrativas e sustentáveis. Na pesquisa, o caranguejo é ao mesmo tempo uma ‘mercadoria capitalista’ e a base de sistemas onde circulam ‘humanos e não humanos’, com nascimento, crescimento e morte de espécies, além de práticas tradicionais para sua coleta e comércio. “A […] lida congrega múltiplas ecologias que vão desde a relação das pessoas com a terra e os manguezais até a cata e comercialização dos crustáceos”, explicou Pereira. Caranguejos e caranguejeiros estão emaranhados em várias relações que atravessam e transcendem o território, os manguezais, as práticas de captura e as transformações dos crustáceos em produtos vendáveis”, destacou o pesquisador. O trabalho acompanha desde a dança das marés que mantém os mangues vivos, suas variações com as estações do ano, passa pelos diferentes territórios e práticas de pesca, detalha a trajetória dos caranguejos coletados, transportados e comercializados, sempre vivos. Afinal, ainda não há tecnologia para produzir caranguejos-uçá em cativeiro. São um produto 100% extrativista.
FAUNA DESPREZADA
🐦 Dados coletados por pesquisadores num Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama no Rio Grande do Sul reforçam que aves são as maiores vítimas da captura e do comércio criminosos de fauna silvestre no país, mas também do descaso popular. De 2005 a 2021, 36.950 animais foram abrigados no local - 29.784 (80%) eram aves como tentilhão-de-açafrão (Sicalis flaveola) e o cardeal-de-crista-vermelha (Paroaria coronata), 2.584 insetos, 2.237 répteis e 2.170 mamíferos. Todavia, a maioria foi simplesmente abandonada pela população e não apreendida. Além disso, muitos mamíferos, insetos e répteis eram provavelmente “hóspedes indesejados em espaços humanos, mostrando a dificuldade humana em coexistir com a vida selvagem”, destacaram os cientistas. No balanço geral, 3.085 animais estavam sob algum risco de extinção. Traficantes têm preferido espécies menos preocupantes nas ‘listas vermelhas’, pois têm maior distribuição no país e tendem a se aproximar das pessoas. “Nossos resultados destacam ainda mais a necessidade urgente de mudar nossas maneiras de interagir com a vida selvagem”, destacam os pesquisadores.