Caroço #85
⚠ Nesta edição >para reduzir o uso do fogo no BR; mais tráfico de animais no Facebook; no rastro dos campeões migratórios; produzir e preservar na Amazônia; e o nó entre polinização e comida na mesa.
Olá, humanos. Bem vindos a mais um Caroço. Com 450 milhões de consumidores e um peso-pesado na balança comercial brasileira, a União Europeia deu um novo passo para barrar importações ligadas à destruição ambiental de gado, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira e seus derivados, como couro, chocolate e móveis. Validada por ampla maioria no Parlamento do bloco, a proposta de normativa agregou o Cerrado e “outras terras arborizadas”. A lei deve ser implantada até 2025. Até lá, guias comerciais para cada commodity serão definidas, e podem ser incluídas carnes suína, ovina e caprina, aves, milho, borracha, carvão e produtos de papel impresso. Os parlamentares querem ainda saber se a produção respeita direitos humanos e povos indígenas. A decisão foi uma derrota ao governo Jair Bolsonaro e seus aliados, pois não diferencia desmate legal do ilegal e pode esfriar projetos legislativos que afrouxam regras de proteção socioambiental. Recado dado, vamos lá. Curtam e compartilhem!
Contendo o fogaréu
Enquanto seguimos respirando a vergonhosa fumaceira da destruição de florestas e demais formações naturais do país, uma técnica desenvolvida por entidades civis reduziu o uso do fogo - prática danosa para a saúde humana e da natureza. Aplicado na região da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins e dos parques Nacional da Chapada das Mesas e Estadual do Jalapão, o projeto cortou em 57% a área queimada por comunidades tradicionais e em 39% as emissões de ‘gases de efeito estufa’. Os resultados (vídeo abaixo) vieram com informação e mobilização públicas, recuperação de áreas degradadas, queimadas apenas de regiões aptas ao fogo e na transição entre as chuvas e a seca - reduzindo a ‘poluição climática’ dos grandes incêndios durante a estiagem -, prevenção e combate ao fogo descontrolado. Lívia Carvalho Moura é assessora técnica do o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e há mais de 12 anos pesquisa o manejo do fogo no Cerrado. Para ela, os resultados comprovam que povos tradicionais e agricultores familiares conseguem prevenir e combater incêndios, “mas é preciso capacitação para garantir a segurança dos brigadistas comunitários”. Frear queimadas e incêndios é indispensável para reduzir a poluição do ar, as mudanças climáticas, manter chuvas e fontes de água. O fogo também mata animais silvestres e de criação, degrada o solo, causas doenças e prejuízos econômicos em série. Dados do MapBiomas Fogo apontam que 1/5 de todo o território nacional - ou 167,3 milhões de hectares - já queimou ao menos uma vez de 1985 a 2020. Cerrado e Amazônia somam 85% da área queimada naqueles 36 anos.
Nas barbas do Zuckerberg
De janeiro de 2019 a julho de 2020, pesquisadores levantaram mais de 1.000 répteis e anfíbios de variadas espécies brasileiras e estrangeiras à venda em grupos abertos e fechados no Facebook. O comércio foi feito por 201 perfis, sobretudo de São Paulo e outros estados do Sudeste. Os animais mais vendidos foram a cobra-do-milho (Pantherophis guttatus), nativa dos Estados Unidos, a lagartixa-leopardo (Eublepharis macularius, foto), originária do Oriente Médio e Índia, e a jiboia (Boa constrictor), encontrada nas Américas. Por sua beleza e exotismo, tais espécies são comercializadas como pets e/ou para colecionadores. O estudo reforça que o tráfico de animais segue quente nas redes sociais e tem “alto potencial de crescimento, trazendo possíveis riscos à biodiversidade e à saúde pública”, pois podem levar ao declínio ou extinção de animais nativos e disseminar doenças às pessoas. Os especialistas recomendam a medidas urgentes para regulamentação e fiscalização dessas plataformas. Em agosto de 2021, mostramos um intenso comércio criminoso de sapos, no mesmo Facebook. A reportagem apontou que o número de espécies de anfíbios traficadas saltou seis vezes em apenas 5 anos - de 5 para 32 espécies -, quando comparado com análises de uma década atrás. Na matéria, o Facebook disse proibir anúncios e outros conteúdos sobre comércio ou troca de animais silvestres ou ameaçados de extinção, e que remove esses itens tão logo os detecte ou receba denúncias de usuários. Mas, uma fonte da área de tecnologia afirmou que a plataforma não denuncia pro ativamente os criminosos que identifica e só fornece informações detalhadas sobre o tráfico quando exigidas por autoridades públicas. Em agosto deste ano, o Ibama multou em R$ 10 milhões o Facebook por facilitar a venda ilegal de ao menos 2,2 mil animais silvestres. Para o órgão ambiental, a plataforma foi omissa ao não coibir o crime.
Maratonistas alados
Com menos de 30 centímetros e pesando cerca de 30 gramas, o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus rufa, foto) migra todos os anos até 30 mil quilômetros entre extremos dos hemisférios Norte e Sul, para se reproduzir e fugir do Inverno. Paradas estratégicas ocorrem em pontos na costa do Brasil, onde a espécie está ameaçada de extinção por fatores como perda de habitats, caça e aquecimento global. Algumas paradas certas no país são no Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS), no Banco dos Cajuais (CE) e nas Reentrâncias Maranhenses. Conseguem voar até 5 dias ininterruptos graças à alimentação reforçada antes das ‘expedições’, contam pesquisadores. Pois, teremos um pouco mais de luz sobre as rotas, velocidades e métodos de migração de variadas espécies de aves aproveitando uma rede com 1.500 sensores, em 31 países. Mais receptores são instalados ao longo das trilhas de migração. A tecnologia rastreia e compartilha on-line de forma permanente dados sobre a presença de pássaros ou outros animais equipados com radiotransmissores pequenos e leves. Algumas espécies estão recebendo sensores detectados por satélites, ampliando a capacidade de rastreamento. A tecnologia já mostrou que uma espécie de pombo bateu um recorde de voo sem escalas para uma ave terrestre: 13 mil quilômetros em 10 dias, do Alasca à Austrália. E se a ave for muito pequena para levar sensores convencionais, a solução pode ser uma ‘etiqueta geolocalizadora’, ou geologger. O micro aparelho registra tempo, localização e presença ou ausência de luz solar. Quando coletado, os cientistas podem saber os horários do nascer e do pôr-do-sol em uma determinada data e calcular a localização da ave. Iniciativas como essas ajudam no desenho de políticas e ações públicas e privadas para proteger esses incríveis animais.
Produzir e preservar na Amazônia
Desmatamento, fogo e toda sorte de bandidagem dominam o noticiário global sobre a Amazônia, mas na floresta há inúmeras iniciativas de atividades econômicas associadas à preservação. Mais de 150 delas foram descritas ou listadas em artigo de pesquisadores vinculados às universidades de Brasília (UnB), Oxford e Lancaster, no Reino Unido, à Embrapa e ao Instituto Iniciativa Amazônica (Iniama). As ações foram apartadas em Bioeconomia, Responsabilidade corporativa, Investimentos privados, Proteção territorial, Protagonismo de governos locais, Coalizões e Ativismo civil. A lista tem de projetos como Uma concertação pela Amazônia e Origens Brasil, a outros tais como Catrapovos Brasil e Guaraná Agroflorestal. A relação também traz iniciativas internacionais, como a Força-Tarefa para o Clima e Florestas, da Universidade do Colorado (Estados Unidos), e o Painel Científico para a Amazônia, ligado à Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Conforme os cientistas, as iniciativas elencadas são oportunidades de ‘econegócios’ que ajudam a proteger territórios que poderiam ser alvos de crimes ou economias destrutivas. “Há um crescente ecossistema de alternativas para o desenvolvimento sustentável na Amazônia que pode contribuir para soluções futuras”, descreve o trabalho. Ao mesmo tempo, tais iniciativas precisam ganhar força e escala para fazer frente às crescentes pressões ambientais e profundas injustiças sociais que persistem em meio à floresta equatorial sul americana.
Comida e polinização atadas
Quase 8 em cada 10 vegetais usados como alimentos no Brasil dependem da polinização realizada por insetos ou animais. Sem esse ‘serviço natural’, menos comida na mesa. Problema ainda mais grave num país com mais de 33 milhões de pessoas passando fome. A polinização agrícola contribui igualmente para a diversidade genética das plantas, aumento da produção e qualidade dos frutos. Mas, a destruição de florestas e outros ecossistemas, as mudanças climáticas, a poluição, espécies invasoras e doenças, e sobretudo o uso de agrotóxicos, encolhem as populações de polinizadores. Na contramão dessa realidade, o governo Jair Bolsonaro bate recordes mensais na liberação de novos pesticidas, inclusive banidos em outros países. Um deles foi o Sulfoxaflor, ligado ao extermínio das abelhas. Um relatório sobre polinização no país mostrou que 250 (42%) de mais de 600 insetos e animais que sobrevoam culturas agrícolas tem potencial polinizador. A lista em abelhas, besouros, borboletas, mariposas, aves, vespas, moscas, morcegos e percevejos. Seus serviços anuais foram estimados em R$ 43 bilhões no país, pesando a polinização de culturas como soja, café, laranja e maçã. Com eleições batendo à porta, vale ficar de olho nos candidatos com propostas que valorizem e mantenham o trabalho indispensável dos polinizadores, como: incentivar uma agricultura sustentável e/ou orgânica; reduzir o uso de agrotóxicos, controlar espécies invasoras, certificação ambiental, manutenção e restauração de habitats naturais e de áreas protegidas. Ainda não há políticas públicas que protejam polinizadores no Brasil.