Caroço #79
⚠ Nesta edição > degradação dispara na Amazônia; extinção de parque beneficia bandidos; combustíveis fósseis ameaçam a floresta; guerra e penúria ecológica ucraniana; escassez ameaça negócios da China
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Floresta assombrada pela degradação
Apenas de 2017 a 2020, alertas sobre degradação florestal do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) somaram em média 17 mil km2 ao ano. A taxa é quase duas vezes maior que o desmatamento anual registrado no mesmo período. Piorando o cenário, o fogo responde por sete em cada dez hectares degradados na região. A seca mais intensa dos meses de agosto e setembro, associada ao desmonte de políticas e órgãos de controle ambiental pelo governo Jair Bolsonaro, prometem incendiar de vez o bioma. Florestas tropicais são úmidas e não pegam fogo facilmente, a não ser com uma ajudinha humana. Estudos de cientistas brasileiras reforçam que o desmatamento é a maior fonte de queimadas e incêndios que ameaçam o futuro da Pan-Amazônia. O primeiro fogo devora a vegetação mais frágil e torna o que restou mais vulnerável a novas queimadas. As chamas são comumente usadas para limpar porções desmatadas ou para renovar pastagens para a boiada. O fogo também prejudica a biodiversidade e a capacidade da floresta absorver e manter Carbono, agravando a crise climática global. Um grupo de pesquisas do Inpe investigou a Amazônia por nove anos e constatou que derrubadas e queimadas fizeram porções da floresta mais emitir do que absorver carbono da atmosfera. A análise pioneira foi publicada na revista Nature. Em dezembro passado, o presidente afirmou que “Não pega fogo na Amazônia. Você pode jogar um galão de gasolina lá na mata que não pega fogo”. O mandatário tentava rebater críticas a suas desastrosas políticas ambientais.
Bandidagem quer acabar com o Cristalino
Com mais 118 mil hectares protegidos de floresta amazônica no norte do Mato Grosso, entre a Serra do Rochedo e a divisa com o Pará, o Parque Estadual do Cristalino II pode estar com os dias contados. O governo estadual cancelou a criação da área protegida por determinação do Tribunal Estadual de Justiça. Não teriam sido feitas consultas públicas e estudos para estabelecer a unidade de conservação, em 2001. O decreto com tais exigências foi publicado um ano depois. A decisão judicial foi baseada em ação movida pela Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo. Um dos sócios da empresa baseada em São Paulo é Douglas Dalberto Naves, acusado pelo MPF de ser um ‘laranja’ do pecuarista Antônio José Junqueira Vilela Filho. Esse foi denunciado no Pará por grilagem e trabalho escravo e apontado como um dos maiores desmatadores da Amazônia. Seu pai, Antônio José Rossi Junqueira Vilela, já foi multado em R$ 60 milhões por desmatamento, justamente no Parque Estadual do Cristalino. Os valores nunca foram pagos, claro. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente recorreu, mas até decisão judicial em contrário, o parque estadual está à mercê de madeireiros, garimpeiros e outros criminosos. “No momento em que o mundo age em prol do meio ambiente e para desacelerar as mudanças climáticas, uma decisão como essa é inadmissível”, comentou a Rede Nacional Pró Unidades de Conservação. A alcunha da área que deveria permanecer protegida decorre da profusão de nascentes e rios de água cristalina (foto). Junto com o vizinho e homônimo Parque Estadual do Cristalino, formam um dos mais ricos abrigos de vida selvagem de toda a Amazônia. Até agora, 850 espécies de aves, 43 de répteis, 29 de anfíbios, 36 de mamíferos e 16 de peixes foram catalogadas na região.
Fósseis ameaçam a floresta
O noticiário é dominado pelo desmatamento, mas a extração desregrada de petróleo e gás também é uma grande causa de estragos ambientais, sociais e culturais na Pan-Amazônia. Vazamentos e contaminações - como os ocorridos no Peru e no Equador -, invasões de territórios tradicionais, abertura destrutiva de estradas e canteiros de obras, tentativas de cooptação e ameaças a pessoas e instituições contrárias a essas economias fazem parte do cenário da exploração regional de combustíveis fósseis, incluindo o fracking. Quem denuncia são centenas de lideranças indígenas e de outros povos no Fórum Social Pan-Amazônico, em Belém (PA), fim do mês passado. No Brasil governado pela extrema-direita, o setor ‘nada de braçada’. Em dezembro de 2020, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) leiloou 16 blocos na Bacia do rio Amazonas à iniciativa privada. No Amazonas, terceiro maior produtor de gás do país, o povo Mura protesta contra ações da Eneva - um de seus acionistas é o BTG Pactual, que se diz preocupado com questões socioambientais - por tentar extrair gás no sul do estado sem consultar comunidades afetadas pela atividade. Dezenas de outras áreas ainda podem ser exploradas na floresta por meio de leilões da agência. Ignorado pelo governo, um estudo da 350.org aponta que a produção de petróleo e gás provocará mais desmatamento, invasões e conflitos por recursos naturais. Não à toa, o governo Jair Bolsonaro tenta derrubar a adesão do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O acordo com peso legislativo, mesmo que muitas vezes desrespeitado, prevê uma ‘consulta livre, prévia e informada’ a comunidades afetadas por empreendimentos que prejudiquem terras indígenas.
Natureza bombardeada
A desvairada invasão da Ucrânia pela Rússia ruma para 7 meses, acumulando milhões de refugiados e milhares de mortos. Impactos econômicos como quebras no fornecimento de grãos e em fontes de energia sombreiam uma avalanche de prejuízos ecológicos - alguns particulares, outros comuns à maioria dos conflitos bélicos inventados pela humanidade. Além da destruição ‘mais visível’ causada por tanques, explosões e incêndios, químicos, combustíveis que vazaram de mísseis e veículos e outros tóxicos poluem terras e águas, pessoas e rebanhos. Veículos e outros equipamentos militares abatidos se espalham pelo país. Residências em ruínas também. A guerra já alcançou 44% das áreas protegidas da Ucrânia. Entre elas, a Reserva da Biosfera do Mar Negro e o Parque Natural Nacional das Lagoas Tuzly. Nesse, mais de 200 bombas russas teriam caído. Dezenas de espécies de aves não puderam nidificar este ano apenas nestas duas reservas. Esses e outros animais sensíveis foram abalados também pela poluição sonora de sirenes, explosões de bombas e mísseis. Essas últimas e a queima de diesel e gasolina por veículos militares aumentam a emissão de poluentes (foto) que pioram a crise global do clima. Outro efeito da guerra foi a corrida por recursos naturais para (re) construções civis e militares. Isso acelerou a extração de madeira, minerais e água, atropelando regras mínimas de segurança ambiental. Organizações de 75 países emitiram uma carta aberta reforçando sua preocupação com os custos ambiental e humanitário da guerra. Equipes ucranianas registram os estragos ecológicos na esperança de que sejam traçados planos de recuperação após o fim da rusga militar.
Escassez ameaça negócios da China
Em plena disputa pela liderança geopolítica global com os Estados Unidos, a China reforçou uma ‘Iniciativa de Desenvolvimento Global’ fundamentada, veja só, na implantação da ‘Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável’. As promessas insistentemente replicadas por diplomatas chineses são do presidente Xi Jinping, que pode ser reconduzido ao cargo em 2023. Todos dizem apostar num modelo de desenvolvimento mais “forte, mais verde e mais saudável” para uma recuperação econômica global no pós-pandemia de Covid-19. Mas o tigrão asiático tem um currículo mundial de atropelos socioambientais, e problemas internos de grande vulto. Com 1,4 bilhão de habitantes e 6% da água doce global, teme bater de frente com a ‘insegurança hídrica’. Ou seja, em breve pode faltar água para pessoas, produção industrial e rural. Quem conta é a espanhola Águeda Parra, analista política e editora da newsletter China GeoTech. Enquanto países como Canadá e Estados Unidos têm cerca de 80 mil m3 de água por pessoa, a China amarga apenas 2 mil m3 por habitante. Desertificação e poluição severa de reservas subterrâneas, superior a 80% das fontes, ampliam o drama. A geração de energia por lá também depende muito da água - o país tem mais de 3.800 hidrelétricas. A piora gradual do clima projetada para os próximos anos irá alterar o balanço de chuvas e secas e deve reduzir ainda mais a disponibilidade de água. Isso pode aumentar as disputas (inclusive bélicas) com países vizinhos e a busca por recursos naturais associada a projetos de infraestrutura e acordos político-econômicos, com governos do mundo todo.