Caroço #100
⚠ Nesta edição > não vale saudosismo no MMA; revogaço para uma volta aos trilhos; ambientes e povos cerratenses desprezados; desafogando o Novo Código Florestal; e ameaças à biodiversidade mapeadas
Olá, humanos. Bem vindos a mais um Caroço. Sem debate público, medidas provisórias desta semana deram mais 6 meses para o Cadastro Ambiental Rural, já o quinto adiamento, e abertura para negócios de concessionárias florestais com carbono, recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Isso pode ser positivo para o setor, ainda muito dependente dos ipês, mas a norma também desregrou licenças e controle dos planos de manejo. E como viram, chegamos à centésima edição, tentando sempre mostrar boas pautas ou pontos de vista atropelados pelo expansivo universo digital. Se houver espaço adequado para respirar, nos vemos em 2023. Caso contrário, como no bordão de um antigo jornalista gaúcho, foi um prazer inenarrável ter estado com vocês… Recado dado, vamos lá!
Revival MMArina
Eleita este ano deputada federal por SP e internacionalmente famosa, a acreana Marina Silva (Rede) é o nome para mais uma temporada no Ministério do Meio Ambiente. Cutucamos sobre isso já no Caroço #97. Fontes na equipe de transição comentaram a este que seu trabalho sempre mirou a ex-ministra, que a nomeação de outros políticos seria enfrentada por servidores e até que licenciados durante o desgoverno não retornariam à labuta caso ela não fosse escolhida. Os últimos capítulos da novela à nomeação envolveram disputas com Simone Tebet (MDB), que teria uma dívida eleitoral a ser saldada pela coalizão que venceu as eleições. Puro contraste com 2003, quando Marina foi o primeiro nome conhecido do primeiro time ministerial de Lula (PT). Ao mesmo tempo, que tire o cavalinho da chuva quem projeta novos recordes na proteção de áreas naturais. Se ocorrer, bem vindo, mas a prioridade da retomada democrática é colocar órgãos e políticas socioambientais de pé e fazer frente à bandidagem que tomou a floresta e outros ambientes. Tudo isso, inclusive, porque o Brasil não pode fazer feio numa COP30 do Clima, que Lula quer trazer para a Amazônia em 2025. A COP29 (2024) deve acontecer em algum país do Leste Europeu. Já a COP28, ano que vem, pode ser afogada em petróleo tendo como sede os Emirados Árabes Unidos.
Fortes emoções
Além da quebra dos insuspeitos sigilos de 100 anos que o fujão e aspirante a ditador impôs a falcatruas de seu desgoverno, outro campeão de audiência da nova direção nacional será o prometido revogaço. A lista básica está no relatório final do gabinete de transição e tem itens como acabar com a festinha e desperdício militares no setor ambiental, cancelar a legalização do garimpo na Amazônia, destravar a aplicação do dinheiro arrecadado com multas ambientais, reestruturar e reativar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), retomar o combate ao desmatamento e o Fundo Amazônia. Desse, R$ 3,6 bilhões combaterão já em 2023 a destruição da floresta equatorial. Facilitando a caça de animais dentro e fora de áreas protegidas, a compra e o porte de armas também serão alvo de contenção legal. O revogaço ocorrerá desde a posse, ancorado sobretudo em decretos e outras medidas infralegais. Questões mais complexas demandarão maior análise e, provavelmente, uma ajudinha do Congresso Nacional. Daí a importância de que o novo governo componha uma maioria mínima e qualificada. Um desafio e tanto diante do baixo nível e fisiologismo de inúmeros parlamentares que a população insiste em enviar a Brasília (DF).
Monotonia cerratense
O Cerrado segue como um patinho feio nas medidas nacionais e globais de conservação. Exemplos: o acordo anti-desmatamento da União Europeia deixou ¾ do bioma desprotegidos, enquanto parques e outras unidades de conservação não cobrem nem 9% da savana brasileira. Suas maiores parcelas preservadas estão entre o Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, o Mapitoba, bem na mira do agronegócio autoproclamado sustentável. Na região e outros pontos do Cerrado, a soja deixa cicatrizes na vida de comunidades camponesas, indígenas e quilombolas. Uma situação que se agrava pela alta mundial do preço da oleaginosa. Nos últimos 5 anos, 76% do avanço do agro no Matopiba ocorreu sobre vegetação nativa e teve como causa principal a soja. Metade da área nacional com o grão está no Cerrado. A expansão das lavouras seca brejos e rios, erode o solo. Depois da destruição, as empresas buscam expandir novamente de maneira ilegal, cercando as comunidades e estimulando a violência. Muitas vezes os grileiros fingem ser funcionários do governo. Quando esse tipo de conversa não funciona, ameaçam, agridem fisicamente, queimam casas e roubam alimentos produzidos pelas comunidades. Bunge, SLC, Insolo, BrasilAgro, Dahma e Radar/Tellus são algumas das inúmeras empresas com negócios na região (foto). Os números e as informações são do livro Direitos Humanos no Brasil 2022, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Desafogando o Código
Na abertura citamos que o CAR - Cadastro Ambiental Rural atrasou muito na última década e sofreu recentemente sua quinta postergação legal. Mas a lerdeza na implantação não é exclusiva do CAR - é marca em todo o Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Mudar esse quadro e impulsionar restauração de vegetação nativa e de fontes de água e, de quebra, absorver gases de efeito estufa, pode ser uma agenda forte do novo governo. Para tanto, o Climate Policy Initiative/PUC-Rio listou ações para acelerar a implantação da estratégica normativa. A relação tem um plano a ser amarrado entre União e estados para deslanchar a lei, reforçar o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) para azeitar cadastros e seu monitoramento, definir e adotar estratégias, ferramentas e recursos para acelerar a análise dos cadastros - uma função sobretudo dos estados -, suspender ou cancelar registros sobrepostos a parques, terras indígenas e outras terras públicas - pois isso é usado para tentar grilagem, indenizações e outros crimes nessas áreas -, turbinar a regulamentação e execução dos Programas de Regularização Ambiental (PRA) - ajudando a reverter passivos de APPs e RLs -, associar a legislação florestal a iniciativas governamentais, privadas e não governamentais de combate ao desmatamento e outras políticas ambientais, e ainda integrar fortemente o Código Florestal a políticas como a concessão de crédito rural e outros instrumentos econômicos.
Zoom nas ameaças
Criado em 2015, o MapBiomas se tornou uma das maiores fontes de dados abertos para pautas jornalísticas e outras empreitadas, incluindo ensaios científicos. Pois, um estudo baseado nos dados de desmatamento e outros “usos do solo” da plataforma apontou que hábitats foram perdidos para 150 (94,3%) de 190 espécies de mamíferos analisadas, sobretudo de carnívoros e cingulados, como tatus, entre 1985 e 2020. Poucas espécies tiveram suas moradas ampliadas. “De modo geral, a perda de habitat ocorreu independentemente da Categoria de Conservação, sugerindo que algumas das atuais espécies não ameaçadas ou não avaliadas podem sofrer uma elevação (mudança para uma categoria mais ameaçada) na subseqüente avaliação de risco de extinção, exclusivamente com base nessas análises de perda de habitat, inferindo uma conseqüente redução proporcional da população. Por exemplo, Tolypeutes matacus, o tatu de três bandas do sul, atualmente classificado como NT [Quase Ameaçada], pode sofrer uma elevação devido à alta perda de habitat estimada para sua faixa. Esta espécie habita apenas a região do Pantanal, que sofreu graves incêndios florestais nos últimos 2 anos (2019-2020), comprometendo um número significativo de refugiados para esta espécie”, comenta o estudo. Traduzindo, dar um zoom nos resultados do trabalho pode qualificar e antecipar ações de conservação, e quem sabe até reduzir as crescentes listas de espécies ameaçadas.